O jornalista Alexandre Haubrich, do portal Jornalismo B, analisa as diferentes abordagens da mídia quanto à reeleição da chanceler alemã e os mandatos de líderes como Hugo Chávez e Lula
Por Alexandre Haubrich, do Jornalismo B
A análise comparativa, associada à memória, desmascara a falsa imparcialidade do setor midiático dominante. A eleição da chanceler alemã Angela Merkel para o terceiro mandato consecutivo, no último domingo, leva diretamente à lembrança de outros chefes de governo que alcançaram ou flertaram com uma segunda reeleição seguida. A formulação do discurso desse setor da mídia foi absolutamente distinto em um e em outro caso, ainda que sejam situações de grande semelhança real. Essa comparação demonstra, assim, o afastamento que a mídia hegemônica mantém com a realidade objetiva, distorcendo as narrativas de acordo com interesses bastante específicos.
Mesmo sem nunca ser dito – ao menos abertamente – por ele, o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva foi colocado pelos conglomerados midiáticos como postulante a um terceiro mandato logo na sequência dos dois que exerceu. A ideia acabou não se consumando, Dilma Rousseff foi a candidata da situação e a eleita, mas a lição ficou clara: os donos da mídia não aceitariam que um presidente petista, naquele momento, se lançasse a uma nova reeleição. A possibilidade, jamais levantada publicamente por Lula mas mesmo assim tocada pelos meios de comunicação, foi sempre fortemente atacada. Lula foi chamado de candidato a ditador, se disse que ele pretendia “perpetuar-se no poder”, que a democracia brasileira estava “em risco”, que poderia ser um “novo Hugo Chávez”.
Com o ex-presidente venezuelano, aliás, não foi diferente. Chávez sempre foi tachado – em vida e já morto – de “ditador” por uma parte importante da imprensa brasileira. Uma das razões alegadas para classifica-lo assim era – e é – a “perpetuação no poder”, a “vontade de seguir no poder até morrer”, enfim, os mandatos consecutivos (foram três os mandatos que Chávez acabou exercendo).
Com Merkel, tudo diferente. O tom geral é de exaltação de sua popularidade, o destaque sobre como os alemães veem nela uma “mãe”, a importância de sua liderança. Nada sobre um possível caráter “ditatorial” ou “antidemocrático” em sua terceira eleição consecutiva. Talvez por ser ela uma representante típica da direita, por estar levando à frente políticas de arrocho que esmagam os países e os povos vizinhos, sendo inclusive constantemente comparada com Hitler. Ou a amistosidade pode ser ainda por Merkel ser eleita em um país central do capitalismo, típica nação na qual a ideologia dominante em um país periférico como Brasil manda observar e admirar, enquanto a Venezuela, a América Latina em geral – incluindo o próprio Brasil – são lugares dos quais se deve como norma falar mal, os quais devem ser sempre apresentados como “repúblicas das bananas”, dominadas por “ditadores populistas e corruptos”, muito ao contrário da grande e democrática Alemanha, dos Estados Unidos, etc.
O fundo das críticas, como se vê, não se direciona à forma – dois, três ou dez mandatos – mas ao conteúdo. Governantes progressistas não têm sua legitimidade respeitada nem em seus primeiros mandatos. Quando os eleitos agradam ao ideário dos conglomerados de comunicação, são exaltados e brindados, durem quanto durarem. O mesmo se dá em relação a qualquer setor social e a qualquer fato levado à cobertura jornalística. A superficialidade formal pouco importa aos donos da mídia e ao imaginário das organizações que comandam, desde que o conteúdo os faça mais poderosos econômica, ideológica e politicamente.
(Foto de capa: Junge Union Deutschlands / Flickr)
da Revista Forum
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