Outras religiões não recebem mesmo apoio que o oferecido pelo governo federal para receber o líder católico
Por Fábio Cervone, colunista do R7
A democracia brasileira dá mais um sinal de que é pouco democrática ao desperdiçar milhões de reais do contribuinte e colocar a máquina do Estado para beneficiar interesses privados ao promover a Jornada Mundial da Juventude. Serão gastos, aproximadamente, R$ 350 milhões dos cofres públicos federais, estaduais e municipais no evento organizado pela Igreja Católica — riquezas que poderiam ser direcionadas para problemas nacionais mais graves e emergentes.
Se após os protestos mais recentes o povo brasileiro se mostrou indignado com os gastos da Copa das Confederações e do Mundo, mesmo se tratando da paixão nacional, o que dizer de uma iniciativa exclusivamente religiosa? O assunto é ainda mais delicado para o Estado brasileiro, já que, teoricamente, o país é uma república laica. Ou seja, as instituições públicas não deveriam ser promotoras de ideologias religiosas.
O caráter laico do Estado tem como principal objetivo evitar a apropriação da máquina pública por grupos religiosos e, assim preservar o ideal democrático da Constituição. Nos últimos dez anos, o Brasil viu uma enorme mudança no seu perfil social, e é cada vez mais evidente o fim do domínio católico, que testemunhou sua representatividade despencar de 83,3% da população nacional, em 1991, para 64,6% em 2010. Números mais recentes mostram que a tendência de queda continua latente.
Neste sentido, cada vez mais a cultura nacional está bem mais diversificada em sua prática religiosa. Por que tais grupos não católicos teriam interesse de ver o dinheiro dos seus impostos irem para uma grande celebração de uma única e exclusiva fé?
Outros líderes e eventos religiosos ocorrem constantemente no Brasil. Por exemplo, o Dalai Lama, principal líder budista, esteve no País em 2011. Apesar de a religião ter pouca representatividade no País, de acordo com o censo do IBGE de 2010, a crença está em pleno crescimento. Por outro lado, em termos globais, o budismo possui uma grande relevância, envolvendo cerca de 500 milhões de fiéis. Mesmo assim, os gastos da viagem do Dalai Lama não foram financiados pelos cofres públicos.
“Visita de Estado”
“Visita de Estado”
Alguns defendem os gastos do governo alegando que o papa é não só um líder religioso como também um chefe de Estado: do Vaticano. Por isso, as autoridades nacionais estariam garantindo o ambiente mais adequado para uma visita de alto nível, assegurando conforto e segurança. Mas, quando os presidentes russo e americano resolvem visitar o Brasil, a FAB (Força Aérea Brasileira) não manda seus aviões buscarem os equipamentos estrangeiros, como ocorreu com o papamóvel trazido recentemente de Roma pelos militares brasileiros.
Este e outros detalhes sobre os gastos mostram que o Vaticano recebe um tratamento diferenciado do Brasil em relação a outros países do mundo. Isto sem mencionar que a Igreja Católica não possui comércio nem intercâmbio de bens e tecnologia com os brasileiros.
Outro aspecto curioso da visita do papa é a expressiva lista de patrocinadores do evento. Fazem parte dos apoiadores diretos grandes empresas. Todos estão fornecendo capital e estrutura em troca da exposição de seus nomes. Ou seja, a JMJ não só promove a fé como também bancos, fast-foods, alimentos e outros itens de consumo, tudo com ajuda do Estado. Será que era necessária tamanha dedicação governamental?
Todos estes aspectos colocam em dúvida sobre a quem de fato serve a visita do papa e de que forma isto está ligado ao interesse público. Diante dos escândalos de corrupção envolvendo a máfia italiana e o banco do Vaticano, é evidente que a própria Igreja Católica ainda é conduzida como uma propriedade privada que pertence aos seus líderes, e não aos seguidores.
O Estado brasileiro notoriamente também sofre com a corrupção, a união entre ele e o Vaticano não soa como a mais nobre das iniciativas, por mais que a fé dos militantes católicos seja profunda e sincera.
Quando será que as instituições no Brasil conseguirão realmente separar o público do privado? Um bom começo seria respeitando o Estado laico, proposto pela Constituição Federal, e se concentrado nos assuntos mais importantes: saúde e educação.
via Milton Alves
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